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quinta-feira, 21 de abril de 2011

O ônibus

...vários rostos parados na plataforma a espera do ônibus que não chega, estáticos com ares de aborrecimento.
Observo um rapaz usando uma camisa do Flamengo com cabelo espetados cheio de gel, dá até para ver o couro cabeludo esbranquiçado, espinhas marcam seu rosto pueril e fiapos de barba se espalham sob seu queixo pontiagudo, seu tom pele acaboclado da um ar indígena que beija sua namorada, há também um senhor com cara de poucos amigos, resmunga aborrecido está usando uniforme de alguma empresa, carrega uma bolsa imagino ter a amiga garrafa térmica que deve levar todos os dias como companheira de trabalho, tem um ar de cansaço e o peso da idade já acentua a curva em suas costas, o cabelo exibe um tom acinzentado nas têmporas, ao meu lado uma senhora com vestido longo com desenhos indianos, bíblia sob o braço, um óculos de armação negra e lentes fortes apequenam seu olhar esverdeado, olha sabe-se lá para onde concordando com a cabeça a algum diálogo com sua consciência; outras pessoas se aproximam, cai uma chuva fina, o domingo já começa a bocejar abrindo espaço para a indesejada segunda-feira, soniais passantes se dirigem para seus lares, com feições cansadas; olho para o relógio do meu pulso seguidas vezes, mesmo tendo um enorme relógio digital pendurado no teto do terminal. Algo me aborrece, não sei bem o que, vai ver porque o domingo já esta partindo, sei lá...
Do outro lado da plataforma passa um rapaz com uma mochila de acampamento nas costas fico imaginado onde teria acampado? O cheiro de mato e fumaça é espalhado pela brisa que sopra leve e sonolenta. Restos de barro ficam esquecidos no chão, desgarrados da bota do rapaz.
Ao meu lado, o senhor que até então parecia aborrecido com a demora do ônibus conversa com um segundo senhor que chegara a pouco, arrastando seus pés calçados em chinelos amarelos um tanto encardidos em razão da chuva fina, oculta sob um boné branco encardido seus cabelos prateados, quando sorri, percebo que é um sorriso com falhas, então o ônibus chega...
...entramos rapidamente ávidos por um lugar. Sentados nos observamos estranhos, desconfiados, nenhuma palavra, mudos, robóticos com olhares dispersos de repente a namorada do flamenguista solta uma gargalhada, que se repete irritantemente!
Um homem com o cabelo raspado, encorpado, tão grande que mal cabe no banco do ônibus com rosto empedrado, dentes amarelados, olhos azulíssimos pequenos dando-lhe um ar suíno e com uma cara de psicopata feliz, indaga algo a respeito de algum jogo! Olhares estranhos! Então ele completa:
- ...é nosso time tá perdendo! - afirma ele com uma voz forte e com um arrastar alemoado.
- Será? Vai nadar e morrer na praia de novo? Completa o rapaz com a camisa do Flamengo! – o mengão ganhou! Sorrindo diz orgulhoso.
“-Grande coisa; penso comigo!” torce para um time do Rio de janeiro e desdenha o da terra natal...
A namorada dele que até a pouco gargalhava, já não ri tão alto, está parada com a boca entre-aberta seus dentes avolumam-se nos lábios, não tinha notado seus dentes mas agora com este semi-sorriso indigesto. Penso que deveria usar aparelho! É uma menina interessante, feia, sim feia mas com uma soberba de princesa, olhando em volta com ar de soberania, com seus cabelos secos meio encaracolados, uma presilha em forma de borboleta prende um tufo na lateral da cabeça, o batom lilás emoldura os dentões, uma blusa sem mangas mostra seu dorso esquálido, um colar de pérolas falsas douradas despencam de seu fino pescoço, brincos enormes avolumam-se em suas orelhas de abano, apesar de tudo tem corpo de modelo, magra, alta de pernas finas e braços compridos... quiçá um banho de loja. Um casal feio, mas um casal...
O ônibus segue viagem, e agora um dilema em minha cabeça, o resultado do jogo, não que seja torcedor, nem sei o nome dos jogadores, mas sabe como são estas coisas que ninguém explica que o futebol faz com a gente! O ônibus se aproxima da região do estádio, dá para ver as luzes, contudo um silêncio lá e cá...
- O jogo já acabou! Fala o Psicopata Feliz.
- Acho que sim; comenta o senhor aborrecido; acabaria às sete horas!
- Pelo silêncio perdeu!! Digo maldosamente.
Todos aflitos, amigos, mudos, na expectativa de alguma resposta. No estádio nenhum barulho, nem foguete, “- Ah, perdeu mesmo!” deduzo. O ônibus se afasta da região do estádio e nós todos perdidos com os olhares no espaço em busca de respostas...
A namorada dentuça volta a gargalhar irritantemente, mas isto agora já não importa, estou preocupado com o jogo!
Perdeu?
Ganhou?
- Opa! Fogos!! Ganhou! Grita o Psicopata Feliz, mais feliz ainda!
- Será? duvida o Senhor aborrecido é muito pouco foguete.
Estranhos nos olhamos. E logo explodem mais fogos, buzinas de carros soam longe...
É ganhamos!
Cúmplices de algo insólito, sorrimos uns para os outros, como velhos amigos, satisfeitos, felizes pela conquista, simpáticos amigos instantâneos comentando sobre o jogo, passamos mais alguns minutos unidos pelo futebol e então o assunto esfria, nos ajeitamos em nossos bancos, nos aninhamos em nossas memórias e nos tornamos insólitos passageiros estranhos. Alguns ainda amigos conversam.
O rapaz com a camisa do Flamengo beija a namorada dentuça e eu continuo achando que ele deve usar aparelho nos dentes! O senhor aborrecido pergunta a respeito de um outro jogo e quando ouve a resposta fica irado. Vai ver o outro time dele deve ter perdido... Ah nós e nossas segundas paixões.
Olho para rua, a chuva diminuiu, um vento frio entra pela janela aberta, “é acho que não deveria ter saído de bermuda!” Algumas pessoas conversam amistosamente, o Senhor aborrecido ainda fala de futebol fazendo assim com que eu não me esqueça do fato, porém as buzinas lá fora também se encarregam de lembrar. Busco no ar meus pensamentos anteriores ao jogo, que agora devem vagar perdidos no limbo.
Meu ponto de desembarque está próximo, o senhor aborrecido ainda discute sobre futebol com o Psicopata Feliz, o rapaz com a camisa do Flamengo fala algo libidinoso no ouvido da namorada dentuça que ri e mostra seus grandes dentes. Eu me levanto, vou até a porta, aperto a campainha, o ônibus para e eu desembarco...
A rua deserta, o paralelepípedo úmido da garoa que cai fina, brilha e reflete as luzes dos postes, uma brisa fria gela a alma e arrepia a pele... Sigo em direção a minha casa, meus pensamentos vão retornando, então olho para os lados do estádio e vejo as luzes ainda acesas, o céu nublado, não revela uma única estrela, nem a claridade da lua...
Sigo divagando e de súbito um pensamento...
“- Quanto será que foi o jogo?”

Um comentário:

Milene Lima disse...

Vixe maria, você e um contador de história dos bons, menino. Li tudinho sem piscar os olhos e imaginando cada personagem narrado por ti.

Bacana você ter ido lá, ver minhas escrivinhações.

Beijo.
Boa tarde.